Seu veículo foi furtado em um estacionamento público – e você não tem seguro -, e agora?

A ideia é que o oferecimento do estacionamento, além de servir de elemento à captação de clientela, consubstancia a convocação de contrato de depósito, nos termos do art. 1.265 e ss. do Código Civil, não valendo, para descaracterizar esse pacto, a argumentação de que não estipulado o valor da contraprestação, até porque essa espécie contratual tem como regra a gratuidade, em consonância com o enunciado do parágrafo único do dispositivo supramencionado.
A questão, em se tratando de empresa, já não suscita mais indagações, sendo suficiente, para criar-se a obrigação pela reparação de furto de veículo, que ponha à mercê do cliente local próprio para estacionamento. Daí, exsurge a responsabilidade civil, pois é de sua obrigação zelar, como se sua fosse, pela coisa que lhe foi confiada em guarda.

O assunto assanha a mente, no entanto, quando se trata de reparação de danos pelo furto de veículos estacionado em estabelecimento público. Estaria o Poder Público, assim como as empresas, obrigado ao ressarcimento de danos? Poder-se-ia dizer que, nesses casos, também haveria contrato de depósito pactuado entre o particular e a administração pública? O servidor público ou o usuário do serviço, ao estacionar o seu veículo, na sede da repartição, fica no direito de pedir ressarcimento de eventuais danos que venham a ocorrer? A entidade pública que oferece, aos seus servidores e aos usuários de seus serviços, estacionamento próprio, não possui a responsabilidade de guardar os veículos lá deixados, no horário do expediente, como se seus fossem, assumindo, no caso, o encargo de ressarcir os danos?

São questionamentos que demandam alguma complexidade. A doutrina consultada, até mesmo as revistas especializadas, não trata dessa questão particular. Se há estacionamento próprio, a pessoa que deixa o seu veículo o faz na confiança de que será guardado com zelo. É diferente da hipótese em que deixa o automóvel estacionado na rua, quando aí está ciente dos riscos que assume, e que não poderá exigir vigilância, a não ser dos conhecidos e indesejáveis “flanelinhas”.
Nessa linha de ideias, o servidor público, ao deixar o seu veículo no estacionamento próprio da repartição no horário de expediente, tem o direito, caso ele seja furtado, de pedir indenização pelo prejuízo que lhe foi ocasionado. O mesmo se diga, obviamente, em relação ao usuário do serviço público, quando se desloca para a sede da entidade administrativa (Prefeitura Municipal), no escopo de tratar de algum assunto. Aliás, quanto a essa assertiva não vejo como prosperar argumentação em contrário.

Perceba que o servidor ou o terceiro que vai para entidade pública, sabendo que lá há estacionamento próprio, detém margem de segurança quanto à integridade de seu carro, sendo natural que, com isso, a pessoa de direito público assuma o risco pelos eventuais danos causados. Até porque, se não houvesse o estacionamento, não suscitando, portanto, no funcionário, a segurança sentida quando existe local próprio para deixar o veículo, poderia ser que preferisse não ir ao local de trabalho motorizado, ou preferisse guardar o automóvel em outro lugar, ou mesmo cuidar de arranjar um "flanelinha" para tomar conta do carro. Ou, então, no caso de cônjuges, um deles pode entender de deixar o carro com o outro, justamente por saber que, diante da inexistência de estacionamento próprio, o veículo não estaria seguro se com ele ficasse.

Nessas situações, não só o servidor, mas também qualquer do povo, que venha a estacionar o veículo em estacionamento próprio de prédio público, quando a ele se dirija para resolver algum problema, tem o direito de reclamar em razão de eventuais danos que o seu carro venha a sofrer. Isso é natural, e advém da margem de segurança e confiança que a repartição pública inspira, na medida em que oferece estacionamento próprio.

Se o fundamento para o ressarcimento pelo furto de veículo em estacionamento de empresa é a captação de cliente que decorre do oferecimento dessa comodidade, pode-se dizer que, em se tratando de repartição pública, a responsabilidade advém da segurança e confiança que ela transmite, ao particular, no instante em que oferece, além dos seus serviços típicos, o serviço de estacionamento. O Poder Público, apesar de não obrigado, no adicionar, à sua missão específica, aquela de oferecer estacionamento para melhor atender os seus servidores e os usuários de seu serviço, se toma responsável pelos danos que venha a lesar a eles, que são os terceiros a quem destinada a atuação estatal.
Poder-se-ia, até, avançar no sentido de dizer que, em qualquer situação, o Poder Público estaria obrigado a oferecer estacionamento, até porque isso é uma forma de facilitar, ou mesmo tornar possível, o acesso aos seus serviços. Ora, em determinadas situações, a não destinação de local específico para fins de estacionamento seria o mesmo que impedir o acesso de carro, a não ser para quem possui motorista ou se vale de outrem para levá-la até lá. No entanto, deixando essa questão de lado no momento, tenho que, quando o Poder Público oferece, aos servidores e administrados em geral, o serviço de estacionamento, tem de preocupar-se em torná-lo efetivo, tratando de exercer vigilância nessa área, sob pena de vir a ser responsabilizado pelos danos a que der causa. Ainda que seja o caso de entender-se que a entidade de direito público não estaria, à primeira vista, obrigada a oferecer o serviço de estacionamento, mas se o faz, fica responsável pela inoperância de seus agentes, em não saber executar aquilo a que se propôs cumprir. Não se compadece com o princípio que fomenta os Estados democráticos, desconhecer a responsabilidade civil do Estado quando ele oferece estacionamento aos seus servidores e aos usuários de seus serviços. Ora, a administração pública, em que pese inerte não seja, não se desloca atrás do usuário de seus serviços, sendo necessário que não só os seus servidores, como também os administrados em geral, se desloquem até sedes das entidades públicas, para resolver suas relações. Como para se encaminhar até a repartição pública, as mais das vezes, o administrado precisa se utilizar de seu veículo, e também porque não é possível adentrar no prédio acompanhado do automóvel, é razoável que se exija do administrador a previsão de local para estacionamento, ou, pelo menos, quando ele existir, que venha a exercer vigilância sobre os carros lá deixados. Essas considerações, a meus olhos, são por demais lógicas. Decerto que, com o uso da boa dialética, pode ser apresentada tese sedutora em contrário. Isso é próprio da ciência do direito. Mas direito não é diletantismo doutrinário, nem dogmática pura: é, antes de tudo, instrumento de vida. Algo que deve ser cultivado pelos homens no afã de fazer a justiça aqui da terra. Por isso, ainda que a eloquência de tese oposta encante, ela não se apresentará, só por só, como solução mais justa do que a que foi expendida. Por fim, pondero que, ainda que o Poder Público não esteja obrigado a ofertar estacionamento próprio aos seus servidores, usuários dos serviços públicos ofertados e terceiros em geral, quando o faz, torna-se responsável pelos prejuízos que sua má execução possa ocasionar, pois o administrado tem o direito público subjetivo de ser bem servido pelo Estado. Logo, conclui-se que o ressarcimento pelos danos materiais havidos no veículo automotor furtado em qualquer estacionamento público, cuja responsabilidade está sob a administração Estatal, se mostra ato legal e justo.

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