Sociedade dos humanos mortos, uma constatação conexa ao direito criminal

Sabe o que nos diferencia dos animais? Somos seres pensantes. E como tais, nos preocupamos com os outros de nossa espécie. Temos empatia, temos preocupações com o coletivo, com toda a sociedade a qual estamos inseridos e, por conseguinte, com toda a humanidade. O espírito de solidariedade e empatia nos faz proteger até mesmo seres de outras espécies. Por isso a proteção aos animais, a existência de entidades filantrópicas que se dedicam a essa causa, enfim, penso que restou claro a característica principal que nos torna humanos, certo? Pois bem.

Ao longo dos séculos a humanidade passou por diversos períodos que fizeram com que o direito, uma ciência humana, evidentemente tivesse que mudar. Uma evolução natural, portanto. As relações humanas são mutáveis pois o ser humano está em constante evolução.

Houve época, por exemplo, em que a escravidão era vista como um negócio – lucrativo, inclusive – e por isso as leis da época regulamentavam essa nefasto negócio jurídico em que humanos negociavam outros humanos como se fossem mercadorias. Infelizmente o ato de libertar os escravos não foi tão fácil, passou por um verdadeiro processo até que se conseguisse convencer a maioria dos que compunham as sociedade brasileira da época. Assim, aos poucos, foi-se acostumando a conviver sem a mão de obra escrava. Por isso mesmo prescindiu à Lei Áurea (Lei n. 3.353 de 13 de maio de 1888), as leis que visavam a libertação dos escravos: Lei Eusébio de Queiroz (Lei n. 581/1850), a Lei do Ventre Livre (Lei n. 2.040/1871) e a Lei do Sexagenário (Lei n. 3.270/1885).

O direito civil já se deparou com a proibição do divórcio, por exemplo. O direito administrativo já teve de lidar com questões de um, hoje inexistente, Brasil-Império. O direito ambiental somente passou a ter a devida importância com a promulgação da atual constituição, de 1988.E, assim, por diante. Aos poucos fomos avançando, novas relações jurídicas, novas questões que o Estado (como um todo) deveriam lidar. Mas o direito criminal, em que pese a evolução na legislação, sempre se preocupou em prender mais (nunca melhor), enrijecer-se as leis penais e a população carcerária nunca foi uma preocupação do Estado.
O Brasil tem a polícia que mais mata, mas também essa é polícia que mais morre. Disso temos índices de violência que demonstram que vivemos numa verdadeira guerra civil. Isso deveria ser alvo de preocupação. Por outro lado, a solução por aqui é só prender e prender. “Prende que resolve!” diriam alguns. Na verdade, a grande maioria é adepta à essa filosofia. Mas o sistema prisional não tem no encarceramento um fim em si mesmo. Não basta só prender. É preciso ter um sistema onde os encarcerados fossem tratados com um mínimo de dignidade, aprendessem um ofício ou estudassem e, principalmente, que não fossem aliciados dentro das prisões à facções, formando-se uma verdadeira escola do crime. Como se vê, há muito que se fazer para iniciar uma recuperação nos números de reincidentes.

Paralelo a isso, temos o incansável trabalho dos advogados criminalistas. Esses que recebem a alcunha de “defensores de bandidos”, tachados por pessoas do povo que amanhã ou depois podem vir a precisar dos serviços de um criminalista. As pessoas se esquecem, por exemplo, que beber e dirigir ao volante gera um Termo Circunstanciado de Ocorrência, um crime de menor potencial ofensivo, mas ainda assim algo que somente um criminalista saberá tratar. Se esquecem ainda que bobagens ditas no calor do momento podem gerar uma acusação por injúria ou difamação, esfera criminal, portanto. Se esquecem que aquele seu passeio inocente com seu cachorro pode gerar, acidentalmente, uma mordida em outra pessoa que por sua vez poderá realizar um boletim de ocorrência por lesão corporal, mais uma vez atingindo a esfera criminal. Apenas alguns exemplos.

De modo que você não precisa arquitetar e colocar em prática um grande esquema de assalto a banco pra responder a um processo criminal, percebe? Oportuno dizer que, ainda assim, pessoas que o Poder Judiciário, em processos criminais, não traz discriminação entre o grande assaltante de bancos e o rapaz que responde por lesão corporal leve por ter se envolvido numa briga de bar. Ambos serão tratados nos autos do processo como “réu”. Igualmente ambos terão de socorrer dos serviços de um advogado ou advogada criminalista. Daí se vê a importância de tal atuação.

Embora todos saibam que um criminalista no exercício de seu dever estará colocando em prática um direito fundamental trazido em nossa constituição, qual seja, assegurar a ampla defesa e o contraditório perante uma acusação de um delito (seja de menor ou maior potencial), tem-se que se deparar com pessoas, inclusive profissionais do direito, achincalhando criminalistas com a falsa alcunha de “defensor de bandido”. Primeiro que um acusado não deve ser tratado como bandido, isso poderá ocorrer após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória o que não se tem quando da denúncia e tramitação de um processo criminal. Segundo que um advogado criminalista sempre atuará de forma técnica na função que a lei lhe confere.
Agora, o que esperar de qualquer do povo se mesmo um promotor de justiça chama um advogado criminalista de “defensor de bandido”? O caso ocorreu na comarca de Porto Alegre/RS em agosto de 2022 numa sessão de tribunal do júri, quando um promotor incomodou-se com o fato do advogado estar andando no local, mandando-o sentar. Ocorre que é direito do advogado a livre circulação na sessão de um júri popular, conforme prescreve o art. 7º, VII do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Para muitos, assegurar o direito de defesa de um acusado significa algo inaceitável, sinônimo de cumplicidade com aquele ou com o delito supostamente praticado. Um verdadeiro absurdo! Isso vem do mesmo lugar que nasceu o ódio à falta prisão perpétua e pena de morte. Do mesmo lugar em que nasceu a falsa ideia de que o cárcere seria comprado a um hotel. Que por sua vez explica a degradação humana que ocorre nos presídios do país e a guerra civil de uma polícia que vê vantagem em alvejar o suposto criminoso, não sendo raro casos em que mesmo rendidos suspeitos são executados à queima roupa. Parte da sociedade comemora episódios como esses, mas se esquece que o criminoso que não tinha intenção de matar, também assiste televisão e passa a enxergar como vantajoso matar policiais e as vítimas de seus delitos. Ou seja, está na cara que a violência é uma consequência de fatores, mas principalmente, de como o Estado lida com os que são pegos praticando ilegalidades. O fato é se desprezamos a condição humana do outro, desprezamos também a nossa própria condição. Se não olhamos um acusado como possível criminoso e inocente de fato, se invertemos e passamos a enxergar todo acusado como bandido de fato e possível inocente, não ligamos para o que o Estado ou o que uma inimizade futura possa causar a nós mesmos. Isso é grave porque a Declaração Universal dos Direitos Humanos completou esse ano 75 anos de vigência e nasceu para garantir o fim da tortura, o fim da degradação humana, mesmo para apenados, o fim de muitas atrocidades que ocorreram na segunda guerra mundial. Ainda assim, não raro se vê pessoas fazendo pouco caso com os direitos humanos que são intrínsecos a nossa condição natural, de seres humanos. Ver alguém fazer chacota com direitos humanos tão duramente conquistados é como ver um ato de auto mutilação futura: a dor não é sentida naquele momento, porém mais dia menos dia vai doer. É triste porque representa a ausência de sentimentos inerentes à sociedade humana. Não somos naturalmente ruins. O homem nasce bom, é o desprezo pelos direitos humanos que o corrompe.

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